Abu Bakr ibn Muhammad ibn al-Husayn al-Karaji, comumente conhecido como al-Karaji ou al-Karagi, foi um matemático e engenheiro persa que viveu no século X. Nascido em Karaj, próximo a Teerã, no Irã, al-Karaji fez contribuições significativas à álgebra e à matemática em geral, deixando um legado que influenciou gerações de matemáticos subsequentes.
Al-Karaji escreveu sobre trabalhos de matemáticos anteriores e pode ser considerado a primeira pessoa a libertar a álgebra das operações geométricas e substituí-las pelo tipo de operações que estão no cerne da álgebra hoje.
Pouco se sabe sobre a vida pessoal de al-Karaji. Estima-se que tenha vivido entre 953 e 1029 d.C. Ele provavelmente se mudou para Bagdá, então um grande centro de aprendizagem, onde realizou grande parte de seu trabalho. Bagdá, durante o período do Califado Abássida, era uma cidade vibrante, repleta de acadêmicos e intelectuais que contribuíram para o florescimento da ciência e da matemática.
Seu importante tratado sobre álgebra al-Fakhri foi dedicado ao governante de Bagdá e foi escrito na cidade, apresentando um estudo sistemático de expoentes algébricos e aplicações de operações aritméticas. No entanto, em algum momento posterior de sua carreira, al-Karaji deixou Bagdá para viver no que é descrito como os “países montanhosos”. Ele parece ter desistido da matemática nessa época e se concentrado em tópicos de engenharia, como a perfuração de poços.
Al-Karaji escreveu três livros importantes: al-Fakhri, al-Badi e al-Kafi. Nestes trabalhos, avançou significativamente a teoria da álgebra que havia sido desenvolvida por outros matemáticos, como al-Kowarizmi
A importância de al-Karaji no desenvolvimento da matemática é vista de forma diferente por diferentes autores. Alguns consideram que seu trabalho é meramente uma reformulação de ideias de matemáticos anteriores, enquanto outros o veem como a primeira pessoa a libertar completamente a álgebra das operações geométricas e substituí-las pelo tipo aritmético de operações que estão no cerne da álgebra atual.
O objetivo de al-Karaji era encontrar os meios de realizar a autonomia e a especificidade da álgebra, de modo a estar em posição de rejeitar, em particular, a representação geométrica das operações algébricas, operando com incógnitas usando todas as ferramentas aritméticas disponíveis, da mesma forma que o aritmético opera com o conhecido.
Al-Karaji também fez avanços importantes no estudo de polinômios, desenvolvendo técnicas para manipular e resolver equações polinomiais, incluindo multiplicação, divisão e extração de raízes de polinômios, sendo um dos primeiros matemáticos a explorar operações com polinômios de grau superior ao terceiro.
Na teoria dos números al-Karaji também fez contribuições significativas, explorando as propriedades de números inteiros, incluindo questões relacionadas a números primos e fatoração. Seus trabalhos fornecera, uma base para desenvolvimentos posteriores na teoria dos números, que continuaria a ser expandida por matemáticos islâmicos e europeus nos séculos seguintes.
Al-Karaji também aplicou seus conhecimentos matemáticos à engenharia. Escreveu tratados sobre hidrologia, discutindo métodos de irrigação e construção de canais, destacando sua habilidade em aplicar conceitos matemáticos a problemas práticos.
O que al-Karaji conseguiu em al-Fakhri foi definir os monômios: x, x2, x3, ⋯ e seus inversos: 1x, 1x2, 1x3, ⋯ e fornecer regras para produtos de quaisquer dois desses fatores. Na verdade, ele quase forneceu a fórmula:
xm xn=xm+nMas não conseguiu definir, por exemplo, x0=1.
Al-Karaji também usou uma forma de indução matemática em seus argumentos, embora ele certamente não dê uma exposição rigorosa do princípio da indução finita. Basicamente, o que Al-Kariji fez foi demonstrar um argumento para n=1 e depois provar o caso para n=2. Então provar o caso n=3 com base no resultado de n=2, continuando o processo até cerca de n=5. Embora não seja propriamente indução, foi um grande passo para a compreensão de provas indutivas.
Al-Karaji usa essa forma de indução em seus trabalhos sobre o teorema binomial, coeficientes binomiais e o “triângulo de Pascal”. Em al-Fakhri, al-Karaji calculou (a+b)3 e em al-Badi calculou (a−b)3 e (a+b)4.
Al-Samawal (1130-1180), em seu livro al-Bahir, faz uma descrição do teorema binomial onde os coeficientes são dados pelo “triângulo de Pascal”, atribuindo a al-Karaji este trabalho notável. Na tradução de Rashed e Ahmad, al-Samawal escreve:
"Vamos relembrar um princípio para conhecer o número necessário de multiplicações desses graus entre si, para qualquer número dividido em duas partes (a+b). al-Karaji disse que para ter sucesso, devemos colocar 1 em uma tabela e 1 abaixo do primeiro 1. Mover o primeiro 1 para a segunda coluna e somar o primeiro 1 como 1 abaixo dele, para obter 2, que colocamos abaixo do 1 da segunda coluna e colocamos um segundo 1 baixo do 2. Temos, então: 1, 2, 1."
Esta é uma bela descrição do teorema binomial usando o “triângulo de Pascal”. A descrição continua até os coeficientes binomiais para (a+b)5, mas vamos citar apenas como al-Karaji constrói a terceira coluna a partira da segunda:
"Se transferirmos o 1 da segunda coluna para a terceira, somamos o 1 da segunda coluna com o 2 abaixo dele, obtendo 3, escrevendo-o sob o 1 da terceira coluna. Somamos o 2 da segunda coluna com o 1 abaixo dele, obtendo 3, escrevendo sob o 3 da terceira coluna. Então, escrevemos 1 sob o 3. E assim, obtemos a terceira coluna: 1, 3, 3, 1."
A tabela construída por al-Karaji é parecida com a imagem abaixo:
Al-Karaji demonstrou a soma de cubos dos n primeiros números naturais, multiplicando sua soma por si mesma. Em notação moderna, al-Karaji demonstrou a identidade:
n∑k=1 k3=(n∑k=1 k)2Al-Karaji mostrou que:
(1+2+3+⋯+10)2=13+23+⋯+103Ele fez isso primeiro mostrando que:
(1+2+⋯+10)2=(1+2+⋯+9)2+103E usou a mesma regra para:
(1+2+⋯+9)2=(1+2+⋯+8)2+93Em seguida:
(1+2+⋯+8)2=(1+2+⋯+7)2+83Para obter:
(1+2+⋯+10)2=(1+2+⋯+9)2+103=(1+2+⋯+8)2+93+103=(1+2+⋯+7)2+83+93+103= ⋮ 13+23+33+⋯+103Al-Karaji, inicialmente, construiu um quadrado ABCD de lado (1+2+⋯+n):
Tomando a área do polígono Δ1=BCDD1C1B1, que é obtida pela diferença entre os quadrados ABCD e AB1C1D1:
A área n2 é subtraída de Δ1 porque ela é somada duas vezes.
A soma dos n primeiros números inteiros é dada pela fórmula:
1+2+⋯+n=n(n+1)2Fazendo a substituição, obtemos:
Δ1=2n⋅n(n+1)2−n2 Δ1=n2(n+1)−n2 Δ1=n3+n2−n2 Δ1=n3De forma análoga, para a área do polígono Δ2=B1C1D1D2C2B2, encontramos:
Δ2=(n−1)3Prosseguindo dessa forma, o quadrado ABCD é decomposto como a soma dos polígonos Δn:
◻ABCD=Δ1+Δ2+⋯+Δn−1+Δn (1+2+⋯+n)2=13+s3+⋯+n3Esta é uma demonstração notável do poder das técnicas algébricas desenvolvidas por al-Karaji. Esta identidade não apenas revela uma relação profunda entre somas e cubos, mas também destaca a elegância e a beleza da matemática.
Al-Karaji, ao demonstrar essa identidade, mostrou uma habilidade notável em manipular expressões algébricas, afastando-se da dependência das representações geométricas usadas por matemáticos anteriores. Sua abordagem simbolizou um movimento significativo em direção à abstração matemática, inspirando um avanço para o desenvolvimento da álgebra moderna.
A identidade em si possui uma simetria e simplicidade fascinante, pois exemplifica como somas e produtos podem ser relacionados de maneiras não triviais, e como padrões emergem quando números são manipulados com regras algébricas.
Referências:
- https://mathshistory.st-andrews.ac.uk/Biographies/Al-Karaji/
- https://mathshistory.st-andrews.ac.uk/Biographies/Al-Samawal/
- http://www.mat.ufrgs.br/~portosil/histo2b.html
- https://history-maps.com/pt/story/History-of-Mathematics/event/Al-Karaji
- https://alchetron.com/Al-Karaji
- Introdução à História da Matemática, Rogério S. Mol
Postar um comentário